A planta no canteiro da esquina da Tenente Otávio

Venho acordando de sonhos ruins e confusos. A cama fria. Você frio. O céu cinzento. Acordo ruim, confusa. Cinzenta. Dentro de mim um vazio do tamanho do vão entre o seu corpo e o meu, da distância entre o dia em que você nasceu e o dia em que me arrancaram da barriga da minha mãe, o dia em que você se graduou e o dia em que eu aprendi a escrever meu nome. Curto. Quatro letras que ainda não entendo o significado direito.

L A N A
V I D A
A V I D A D E L A N A.

Hoje acordei me sentindo aquela planta no canteiro da esquina da Tenente Otávio. Meio seca. Esturricada. Como se tivessem esquecido de regar, e não choveu e ela mesma não tava mais muito afim de fazer a fotossíntese. E só ficou lá, secando. As pessoas passando e ela secando. Sabe?

Eu deitada aqui na cama, seca de pele e de vontade. Sabe? Deve ser hormonal esse ciclo. Talvez depois eu sinta de absorver toda a vitamina do sol pra transformar ela em vontade de viver, mudar as coisas. Talvez eu sinta a coragem de encarar as pessoas nos olhos ao invés de me esconder atrás de uma catarata pré matura que deixa tudo meio azul e distante e desfocado. A gente precisa de alguma coisa pela qual lutar, um objetivo por trás do grito e da espada e do sangue. Senão é tão suicida quanto deixar-se morrer.

Sabe, eu nunca peço ajuda. Não peço porque sei que não mereço. Tenho o sal da cura e o mercúrio da sabedoria, mas não nasci com o enxofre queimando na veia. Ontem me sentia vazia, inerte, despropositada, como se tudo o que saísse da minha boca não fosse meu. Como se não entendesse de onde vinha a irritação que acometia meu corpo tenso, cansado.

Deve ser difícil amar um corpo inerte. Talvez te dê náuseas pensar em beijar uma boca que não consegue gritar e só geme baixinho, desconsolada. Você parecia meio enojado. Eu lá, irritada, melosa, carente. E você com nojo daquela pessoa que nem era eu direito, que eu não queria ser mas que também não tinha direito de ser mais nada. E comecei a falar e falar do pouco que tinha dentro de mim e que era só abandono. E nada. Você nada. Nem empatia, nem resposta. Suas pernas pedalando no escuro, meu corpo só fazendo peso na bicicleta. A falta de resposta se debatendo pelas paredes. Um quarto tão vazio quanto minha caixa torácica. Tão oco quanto minha cabeça.

Não consigo lembrar das coisas que gosto. Das musicas que amei, dos livros que vivi por dentro das páginas, dos filmes nos quais entrei e sai melhor. Não lembro de nada. Nada me parece importante e então não lembro. Só tenho a lembrança de uma cena que nunca aconteceu, onde eu e você deitamos numa praia de areia extensa, o sol esquentando e escurecendo nossa pele. A gente catando umas conchas pra colocar em cima da barriga e fazer castelinhos. Mas não lembro de mais nada. E isso nunca aconteceu.

Eu tô triste mesmo… Vazia. Sem nada interessante pra dizer, nada que acrescente. As pessoas são laranjas completas e eu estou só o bagaço. Aqui na cama. O quarto cheio de coisas e eu vazia, brincando de estátua com os objetos. Nada significa. Ninguém se mexe. Bate um vento e os livros desabam na prateleira. Acho que ganhei.

Não me sinto no direito de te pedir coisas depois de você ter cuidado do meu corpo quebrado. Queimando de febre eu te pedi ajuda. Mas não te pedi pra me amar. Eu nunca te pediria pra me amar. Mas você me ama, ama uma mulher que eu não estou sabendo ser agora porque não consigo lembrar de nada.

Ontem te pedi um abraço e você não deu.

4 comentários em “A planta no canteiro da esquina da Tenente Otávio

Deixe um comentário