Mostarda e Mel

Eu caminho uma rua como qualquer outra de São Paulo. Meio íngreme, cinzenta, mas coberta das cores desgastadas de grafites agressivos que me dão vontade de rasgar a pele viver de um jeito muito intenso e veloz. Caminho. Digo que caminho, mas sempre tenho a preocupante sensação de estar sempre correndo. Que a chegada é um gozo. E estou sempre correndo e mesmo quando paro pra respirar estou correndo e quando a ladeira chega no fim e meus pés atingem em falso o topo da colina, como se esperassem mais um degrau – histéricos –Só quero dormir. E sinto as pernas em espasmos durante meus sonhos inquietos, subindo degraus e tateando paredes às cegas. Nenhuma placa de neon me indica o caminho. Os gemidos não me causam tesão nem repulsa, só vulgaridade bruta que tampouco desaprovo, mas não afeta áreas profundas do cérebro. Como queimaduras de segundo grau, sabe? Que acabem doendo mais que as de terceiro grau porque estas últimas destroem os tecidos sensoriais da pele e então – nada. Desconexão para autoproteção. Elas gemem e eu só sinto as queimaduras de segundo grau na perna esquerda. Ainda que manca, sigo subindo escadas e abrindo pernas de lindas garotas noturnas que sorriem pra mim com tornozelos extremamente tocáveis. Passando por entre suas coxas elas como se fossem portais para os andares de cima. E às vezes quem se abrem são os dentes agudíssimos de sorrisos perfumados que mordem meu pescoço no meio de um concerto de rock, e sugam a realidade . Nada se faz concreto para além da grande estrutura que segura as escadas o parapeito daquele prédio. E uma velha gesticula veementemente lá de cima, berrando que por motivo algum entrem no edifício. Eu, numa rua qualquer de são Paulo, passo de raspão pelos motoqueiros com caixotes nas costas, desvio dos bares universitários e entro num terreno baldio de um metro quadrado. Enfio na terra o dedo e uma semente de mostarda e mel. Há de nascer uma planta que queime a tristeza e o carbono do canteiro de uma jovem metrópole.

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